Memórias de um herói

Memórias de um Herói

 

I

Nas mãos do peão, a terra pulsava,

Era berço e sustento, promessa e calor.

Cada sulco que a enxada traçava

Era a escrita sagrada de um povo em vigor.

 

O campo se abria, horizonte sem fim,

E o céu, imponente, era um fiel companheiro.

Na solidão, moldava o seu jardim,

Tecendo no pago um sonho altaneiro.

 

No galope vibrante de seu alazão,

Rasgava os ventos com brio e destreza.

Era livre, dono do chão e do pão,

Guardião de um mundo de simples grandeza.

 

O mate amargo, na roda ao luar,

Trazia consolo ao cansaço da lida.

E cada estrela parecia guiar

O destino do homem que honrava a vida.

 

Sua força fazia do árido, flor,

Do impossível, um verso no chão ressecado.

No peito do peão vivia o amor,

Por cada palmo de terra arado.

 

II

Mas a roda girou, o tempo avançou,

E a fumaça das fábricas cobriu o rincão.

O motor rugiu, o silêncio quebrou,

E calou para sempre o canto do peão.

 

Hoje, o arado descansa, enferrujado,

À beira de campos que não reconhece.

A terra foi vendida, o chão devastado,

O herói do passado já não se enaltece.

 

O peão, despojado de sua missão,

Vagueia nas ruas sem rumo ou guarida.

Seu chapéu desbotado, sem força, sem ação,

Reflete o vazio que carrega na vida.

 

“Que fiz eu do campo? Que fez o progresso?”

Questiona o velho com olhos sombrios.

Seu legado, agora, é apenas um verso

Perdido nas curvas de rios vazios.

 

O mate já esfria em mãos trêmulas, secas,

A roda é silêncio, os amigos dispersos.

Onde havia união, hoje há brechas,

E o futuro que vinha se fez controverso.

 

Os tratores dominam as vastas planícies,

O cavalo, uma lenda de tempos antigos.

E o peão, sob a sombra de torres e esquinas,

É apenas um número, sem rostos, sem vínculos.

 

III

“Eu fui o herói do chão e do vento,

Carreguei nos ombros a história e a dor.

Hoje sou resto, um suspiro no tempo,

Um eco distante de um mundo em fulgor.”

 

A modernidade, com suas promessas,

Trouxe conforto, mas apagou memórias.

O peão, que guardava as grandes proezas,

Agora é silêncio nas páginas da história.

 

Sua identidade jaz nos campos perdidos,

Seu nome é poeira que o tempo apagou.

E a terra, que outrora abrigava sentidos,

Hoje é concreto que tudo sufocou.

 

IV

A morte do peão não foi só de um homem,

Foi de um mundo inteiro que o campo abrigou.

Foi de valores que o tempo consome,

De uma alma rural que o progresso calou.

 

Mas em noites de vento, o silêncio ressoa,

O passado murmura em cada canção.

E, quem sabe, a memória do peão ecoa

No coração de quem sente o chão.

Por favor, aguarde enquanto o processo é concluído...