Mais sorte que juízo
MAIS SORTE QUE JUÍZO
(Sentença do João da Nira, pelo roubo do Santo Antônio)
Não concederam indulto
Porque o pecado era grave.
Não se encontrou um motivo
Para soltar o bandido
Que roubou aquela imagem
Do altar do santo padre.
Que infeliz, o rapaz!
Que impulso tão medonho!
Apropriou-se do sagrado
Quando manteve guardado,
No fundo falso do armário,
A imagem do santo Antônio.
Disseram que foi por amor,
Mas penso que foi tolice.
Uma guria sem juízo
Que não tinha compromisso,
Vivia brincando à toa,
Tamanha a sem-vergonhice...
O João, que já fora puro,
Que nunca fora leviano,
Agora, um sem moral,
Um pecador, marginal,
Que cometera o sacrilégio
Neste ato tão profano.
As folhas não são mais verdes
Não tem mais campo sagrado...
As mãos limpas de outrora
São mãos sujas, agora,
E ninguém duvida mais
Que o moço seja culpado.
A mãe que tinha certeza
Da inocência do João,
Chora lágrimas sentidas,
Sabe que é triste a vida
De quem cometeu um erro
E foi morar na prisão.
Prenderam o pobre moço
Que a pouco era criança,
Mas as moças da cidade
Acreditam que o padre,
Por certo, foi muito longe
Nas promessas de vingança.
Veio o bispo, outra vez...
Veio o chefete da vila...
Veio até o seu doutor
Que tudo sabe de dor
E por isso foi ouvido
Junto aos lamentos da Nira.
Uma mãe desesperada
Tem mais sorte que juízo.
Pediu bênção ao sacerdote
- Me digam se isso pode-
Pediu licença pra Deus
E foi falando pro bispo:
“Eu sei que o caso é sério,
Sei que o que fez não se faz.
Que o meu filho está errado,
E que o certo é que é culpado,
Mas peço a vossa clemência
Pra soltar o meu rapaz...”
O Bispo torceu a cara,
O padre ficou nervoso.
O chefete, ora em silêncio,
Secou o suor no lenço
E limpou sua garganta
Falando meio sestroso:
“Dona Nira, veja bem,
O caso aqui é um pecado!
O João roubou sem piedade
A imagem da santidade
E não temos outro jeito
Do que mantê-lo isolado!”
Foi nesta hora que a Nira
Juntou as provas que tinha
Contra os juízes da igreja
E entregou de bandeja,
Como a última cartada,
Tudo o que ela sabia...
“Vou chamar a dona Ana,
Pedir que traga as gurias...
Elas sabem duns assuntos
Aqui da sala dos fundos...
Vou ali e logo volto
Trazendo a Ana e as filhas.”
O padre ficou sem cor,
O bispo ficou sem graça!
O chefete, inconformado,
Mandou chamar o culpado
E o soltou na mesma hora.
“Te some daqui desalmado!”