O homem sentado à sombra
O HOMEM SENTADO À SOMBRA
O homem sentado à sombra
De bombacha arremangada,
Mantém um olhar distante
E meio que olhando pro nada...
Talvez pensando no ontem
Ou no futuro, quem sabe?
Sobrevivendo ao presente
Antes que tudo se acabe...
Ostenta um lenço desbotado,
Camisa rota e alpargatas,
E o mouro - também à sombra -
Masca o freio e folga a pata...
Em meio a um bigode farto,
Aquele palheiro dos buenos!
O chapéu tapeado na testa
E na botella um “veneno”!
O homem sentado à sombra
Deixou seus sonhos pra trás...
Quem passa olha e não vê
E pouco importa...tanto faz!
Ressona um cusco a seu lado
- ovelheiro, que sabe da lida -
E o pitoco briga lá longe
Pra depois lamber as feridas...
Um angico protege o taura
- numa tarde de mormaço -
E ele absorve as mágoas
Que um dia afoga no passo...
Coqueiro sempre à cintura
“As coisa” às vezes se enfeia...
É fera sentada à sombra
Que já cansou de peleia...
O homem sentado à sombra
Com as suas mãos calejadas,
Demonstra nas rugas do rosto
O que colheu das estradas...
Melena rala sob o chapéu
- branca, da tez das geadas -
Com sua pele de vento e sol
E pelo tempo empoeirada...
Embretado em pensamentos,
Remoendo as suas memórias...
Quem vai sentir sua falta?
Quem há de contar sua história?
Sem amores, sem família,
Não deixará descendência...
Somente a ciência campeira
Nos cavalos da querência...
O homem sentado à sombra
- ao qual chamam “Inocêncio” -
Vai maturando suas dores
Embriagado em silêncios...
Ninguém sabe de onde veio
E como chegou no povoado...
Vive absorto em seu rancho
Ou então à sombra, calado!
Tem corpo e alma judiados
- com cicatrizes de outrora -
Já não lida nas estâncias
Dando comida às esporas!
Os anos passaram depressa
E o Inocêncio nem notou...
Hoje o que resta é lembrança
De um tempo que passou...
O homem sentado à sombra
Sem ir à mangueira bem cedo,
Vai pondo na forma a saudade
E encilhando seus medos!
As ferramentas de trabalho
Perderam, enfim, sua função...
Nem o mouro sente as puas
Das suas estrelas de chão...
Um gole e outro de canha
- na tarde que logo é noite -
Sabe, nas horas que passam,
Que a realidade é um açoite...
Remói uma dúvida latente
- um sentimento no coração -
Será que a vida é só isso?
Será que viveu sem razão?
O homem sentado à sombra
Vai aceitando o destino,
Mareja os olhos cansados
Que já foram de um menino...
Envolto em sua solidão
- enraizado nesses confins –
Vai provando o gosto amargo
Que há no beijo do fim...
À sombra – e cansado de si -
Um homem do tempo antigo!
Já quase deixando a matéria
Que foi seu templo e abrigo...
Com ouvidos quase moucos
Escuta o insistente apito do trem,
Que vai deixando esses pagos
Enquanto ele parte também!