Rodeio parado
Será o mesmo vistaço…
Quem sabe, até diferente…
Mas é sina, e não se mente
que, em todo dia postado,
o meu rincão é cortado
- por serviço ou por favor
com trote recorredor,
n’outro rodeio parado.
Se atora a argola de ouro
de um sol recém anunciado…
O potreiro está velado
pela geada de outras horas.
Já são curtas as demoras
e o silêncio - ainda o mesmo -
…Tão pouco se escuta à esmo
no idioma do campo afora!
Passo e passo dos ponteiros
que vertem novos segundos…
Do posto ao campo do fundo,
hay, por certo, muito encargo!
Um peão por dia - queimado -
sestroso, cisma o atraso…
…Mas bota culpa no acaso,
muito embora, preocupado!
Há vapor na cruz do lombo
de cada pingo do arreio…
E a sinfonia dos freios
toma conta do lugar…
Anda a fumaça no ar
dum fumo feito ‘a pouquito’...
…E é este o eterno rito
que faz-se antes de montar!
Nos bocós — santos remédios,
esperanças e mil preces;
E uma ânsia que padece
reparando os lastimados:
Pingo de casco judiado…
Cria que ficou trancada…
..E alguma cerca farpada
que enreda ‘padrillo’ alçado!
Benzidos pelos rigores,
curtidos pelas distâncias.
têm sonhos sem importância
deixados para depois…
— Vou ao povo dia dois;
...talvez visite a doninha!
— Estar na morada minha
já nem lembro quando foi!
Vão-se os campeiros, adiante,
onde se espicha a invernada;
E até o murmúrio da aguada
revela - em calmo floreio -
a intenção de quem se veio
sobre as garras, pacholento,
pra bem do próprio sustento
atrás de parar rodeio!
No caminho — grota, mato
banhado e várzea na frente;
Sombras de bicho e de gente
contra o clarão do mormaço…
Por nada, um ressábio escasso
das baldas do baio-oveiro
que vem espiado e manheiro
só com o tinido do laço!
Canhadas de largo rastro
engolem rumos e léguas…
E o silêncio ganha trégua,
quando a espora é melodia…
Escorre o suor da porfia,
banhando pêlo e semblante…
E o vento leva por diante
assovios por companhia!
Sovéu grosso e espichado,
desde a presilha à argola,
se o tempo já não consola
pra benzer vaca caída.
E uma espera repartida
pela ferida cuidada,
pra que n’outra campereada
o campo respire a vida!
Conta errada que é refeita…
Gauchada que se conta…
Saudade que, ali, desponta
entre a lida que sofrena…
Lembrando a filha pequena,
que não vê — mais de semana;
Ou o espinho da picana
de alguma trança morena!
...Solidão, peito cortado…
…recuerdo que vem - covarde -
Depois é brasa que arde
sobre a palha do passado!
Cruzando o passo do arroio,
há tanta flor perfumada;
Quanta imagem desenhada
que a vista tem ao alcance.
Aromas que, num relance,
trazem algo pelo meio…
…Mas, pra quem para rodeio
não há tempo de romance!
Pra’s casas, corpo embalado
e o tranco — marcha batida;
Que até a alma vem sentida
no cruzar cada porteira!
Não apeia — nem que queira! —
pois, a menor das demoras
sempre parece, ‘lá fora’,
durar mais que a vida inteira!
Outras vezes, certamente
retornarão — costumeiros —
desde o passo do potreiro,
de geada branca velado;
Com tranco firme, apontado
ao pendão do campo aberto,
pra topar destino incerto
n’outro rodeio parado!