Ressuscitado
Eu já morri tantas vezes
Que já nem sei explicar.
Desci à boca do inferno
Para então ressuscitar.
Lá, bebi do vinho tinto.
Na taça de Salomão.
E provei o doce amargo
Que compõe a solidão.
Eu já morri tantas vezes,
Tantas vezes eu já morri.
Beijei a boca da morte
Deixando então de existir.
Ficando somente a terra
Assentada ao meu redor.
Esfriando a carne quente
Donde antes havia suor.
E junto a mim, a cruz.
Abençoando a sepultura.
Talvez apontando a luz
Pra quem a tanto procura.
Um céu escuro - cinzento
Chorando a fina garoa.
Molhando o pálido cimento
E o rosto de alguma pessoa.
Havia um sussurro de reza
Na boca de algum vigário.
E um silêncio estrondoso
No oco deste calvário.
Mas eu morri tantas vezes,
Que já aprendi o caminho.
De buscar outras almas
Para não andar sozinho.
Vim, assim, aos poucos...
A cada dia, um pedacinho...
Passo a passo – apagando
O rastro do meu caminho.
Pois vi a vida ir embora
Por entre os vãos dos meus dedos.
Dando forças aos meus fantasmas
Minhas angústias e medos.
Eu já morri tantas vezes
Que tudo isso foi natural.
Assim como deve ser a morte,
Pois nosso corpo é mortal.
Talvez seja a última partida
Que eu deva viver em vida.
E sair do fundo do poço
Usando esta corda comprida.
Que se chama esperança
E é ela que nos sustenta.
Pois é igual laço forte,
Remalha, mas não “rebenta”!
Eu já morri tantas vezes
Mas já vivi muito mais.
Vivi no abraço de um filho
E no sorriso dos pais.
Vivi no beijo doce
Da minha chinoca amada.
No aconchego de um mate
No escuro da madrugada.
Vou chacoalhar a caveira
E tirar a terra de cima!
Pois meu amor é eterno
É fogo que não termina.
E eu devo entrega-lo a todos
Que ficaram ao meu lado
Compondo outro milagre
Qual Lázaro – ressuscitado.
Que atire a primeira pedra
Quem um dia não errou!
Que atire a primeira pedra
Quem aqui nunca pecou!
Eu sei que não fui um santo
Mas também nunca quis ser.
Quero ter o livre arbítrio
Para errar e aprender.
Também não fui o demônio
Que alguém tenha pintado.
Por isso, peço respeito.
Perante a este finado.
Que hoje aqui, se levanta.
Com a vergonha que lhe cabe
Mas com a humildade singela
De quem vai buscar a verdade!
Eu já morri tantas vezes
Mas agora não morro mais.
Pois hoje joguei aos ventos
Minhas angustias, meus ais.
E serei eu mesmo - mudado
Um novo eu - transitório
Pois se não existir defunto
Também não existe velório!